O transtorno bipolar é progressivo e leva
à perda da função de neurônios, segundo novos estudos, liderados por
pesquisadores brasileiros.
A doença, caracterizada pela alternância
entre depressão e euforia (mania, como os médicos dizem), atinge 2,2% da
população: são 4,2 milhões de brasileiros, segundo estimativa da Associação
Brasileira de Psiquiatria.
Crises bipolares não têm nada a ver com as
mudanças de humor da pessoa “de lua”, que passa uma manhã agitada ou se irrita
facilmente.
Um episódio de mania pode durar dias ou
semanas e levar a alteração do sono, perda do senso crítico e comportamentos
compulsivos como comprar demais ou consumir álcool e drogas.
Como tantos outros nomes de patologias, a
expressão “bipolar” é usada fora do contexto médico. “Há um entendimento errado
da bipolaridade. É uma doença muito grave, com uma série de sintomas. Mudar de
humor rapidamente não faz o diagnóstico”, diz o psiquiatra Beny Lafer,
coordenador do Programa de Transtorno Bipolar do Hospital das Clínicas de São
Paulo.
BANALIZAÇÃO
A bipolaridade é a doença mental que mais
mata por suicídio: cerca de 15% dos doentes se matam. Os pacientes têm um risco
28 vezes maior de apresentar comportamento suicida do que o resto da população
e até metade dos doentes tenta se matar mostra levantamentos.
“A expectativa de vida de homens bipolares
é 13 anos menor e de mulheres bipolares é 12 anos menor do que a da população
em geral, segundo um estudo dinamarquês. A expectativa de vida do bipolar é
comparável à do esquizofrênico”, diz o psiquiatra Fábio Gomes de Matos e Souza,
professor e também pesquisador da Universidade Federal do Ceará.
Considerando a gravidade, os médicos todos
criticam a popularização do termo.
“É banalizar a doença. Estar triste é uma
coisa, estar deprimido e não conseguir sair de casa é outra”, diz a psiquiatra
Ângela Scippa, presidente da Associação Brasileira de Transtorno Bipolar.
De acordo com as últimas descobertas
científicas, as crises de euforia e depressão são tóxicas ao cérebro.
ENXURRADA NO CÉREBRO
O grupo do psiquiatra Flávio Kapczinski,
da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, é referência na área e publicou
artigos em novembro e dezembro nas revistas “Translational Psychiatry” e
“Current Psychiatry Reports”.
“Assim como o organismo do diabético sofre
com os picos de glicemia, o cérebro de quem tem transtorno bipolar não
controlado sofre com o excesso de neurotransmissores”, diz Kapczinski.
As crises são acompanhadas da descarga de
substâncias como dopamina e glutamato. Na tentativa de controlar o incêndio, o
organismo manda para a região células protetoras. “Essas células produzem
inflamação, causando a perda de conexões entre neurônios. São os achados mais
recentes, nem estão publicados ainda”, adianta.
Após cinco episódios do transtorno
perde-se 10% do hipocampo, área responsável pela memória, estima o psiquiatra
Matos e Souza.
Em médio prazo, a doença fica mais grave e
as crises, frequentes e fortes. O doente responde cada vez menos à medicação.
“Ele passa a ter problemas de memória, planejamento e concentração, funções
ligadas à parte frontal do cérebro”, diz Kapczinski.
DIAGNÓSTICO
Os primeiros surtos de transtorno bipolar surgem
como crises de depressão em 60% dos casos, daí a dificuldade no diagnóstico. O
transtorno aparece, em geral, até os 25 anos.
Quando a doença se manifesta como mania,
os sintomas são confundidos com os de esquizofrenia (megalomania, alucinações).
“O diagnóstico leva até dez anos”, afirma Helena Calil, psiquiatra e professora
da Unifesp.
A dificuldade de determinar a doença é
comum entre os transtornos mentais, lembra Jair Soares, psiquiatra brasileiro e
pesquisador na Universidade do Texas em Houston (EUA).
Não há um marcador biológico que possa ser
medido em um teste. “Dependemos do diagnóstico clínico, da descrição dos
sintomas pelo paciente”, completa Soares.
A avaliação clínica não consegue
diferenciar uma depressão bipolar de outras. “O tratamento com antidepressivo
puro pode agravar a doença. É um risco. Às vezes, só assim para descobrir”, diz
a psiquiatra Ângela Scippa.
Os casos mais complexos envolvem crises de
hipomania, uma mania leve que pode aparecer como ciúme ou irritabilidade.
Sentimentos normais que, no bipolar, são exagerados e causam prejuízos à vida
–essa é a fronteira entre normal e patológico.
O alerta deve vir quando a família se
queixa de instabilidade: a pessoa mostra alterações visíveis e fases de
normalidade. Outros sinais são: histórico familiar (80% dos casos são
hereditários), alterações no sono e uso de álcool e drogas (metade dos
bipolares é dependente).
HIPOMANIA LEVE
Antes, o transtorno bipolar era conhecido
como psicose maníaco-depressiva e incluía casos mais graves. Agora, se discute
se pessoas com depressão e hipomania leve (irritadas, ciumentas demais) devem
ser tratadas como bipolares –metade dos que sofrem de depressão se enquadra no
perfil. Ou seja, 10% da população.
“Já há evidências científicas para isso”,
defende o psiquiatra Teng Chei Tung, do Hospital das Clínicas da USP.
Para Soares, se a caracterização for
expandida demais, corre o risco de abarcar gente que não se beneficiará com o
tratamento. “Será que vamos tratar pacientes que, em vez de melhorar, vão piorar?”,
diz.
A psicoterapia aumenta a adesão ao
tratamento com remédios e ajuda a pessoa a conhecer os gatilhos das crises. “É
importante, mas complementar”, diz Leandro Malloy-Diniz, psicólogo e presidente
da Sociedade Brasileira de Neuropsicologia.
CÍCERA MARIA