Festa-síntese
Paralelamente, entre as elites surgiam os bailes à fantasia e de máscaras cujas sociedades organizadoras reuniam seus sócios nas respectivas sedes para que todos seguissem em cortejo até os locais das festas. Nascia assim uma nova forma de diversão em diferente sintonia com a diversidade cultural de grupos também nascentes, entre eles os de baianas, de crianças da elite ou só de negros e seus batuques. Enfim, uma saudável confusão de camadas sociais, de etnias e de ritmos, que de alguma forma dialogaram entre si e acabaram formando a festa que seria a síntese do Brasil.
Nos primórdios do século 20, uma espécie de divisão cultural foi estabelecida pela música. Os ditos grupos “selvagens”, como escreve Felipe Ferreira, se apresentavam ao som dos batuques de raízes negras. Enquanto os menos primitivos desfilavam tocando cantigas, modinhas e outros sons bem ao gosto da burguesia de então. É de 1899, portanto às portas do novo século, que data a clássica marcha rancho Ô abre alas, da ousada maestrina Chiquinha Gonzaga. Com sua música, ela foi uma das que escancararam o evidente diálogo entre as diferentes culturas ocorrido no Carnaval. Num trem histórico veloz, já no final da década de 1920, o carnaval carioca havia se entronizado como a grande festa da integração nacional. Não era mais um evento fechado dentro de um só formato, mas um caldeirão explosivo de diversas festas e ritmos populares. Era a festa-síntese do Brasil.
Em meio a esta ebulição, entre outros, se firmaram os nomes de Carmen Miranda – que, em 1930, incendiou os bailes e os blocos de rua com a marchinha Taí, de Joubert de Carvalho – e dos compositores Ary Barroso, João de Barro (o Braguinha), Lamartino Babo, Noel Rosa e do hoje esquecido André filho, autor de Cidade Maravilhosa, a música que há décadas é sinônimo de Carnaval e do Rio de Janeiro.
Brasil, esquentai vossos pandeiros
Em 1932, o Theatro Municipal do Rio de Janeiro abriu suas portas para o primeiro baile carnavalesco oficial da cidade, reunindo a nata da elite nacional. O ponto alto do evento acontecia com os desfiles de fantasias, iniciados em 1936. A tradição se manteve por muitos anos, lançando os nomes históricos de Clovis Bornay, Evandro de Castro Lima, Marlene Paiva e Wilza Carla, que, literalmente, brilharam em fantasias caríssimas. Eles eram o chantili da festa que consumia fortunas na organização e nas decorações assinadas por gente como Roberto Burle Marx, Arlindo Rodrigues e Nilton Sá.
Enquanto os endinheirados se divertiam em bailes como o descrito acima, o povo começava a arquitetar a formação do que hoje é a usina propulsora do profissionalizado carnaval carioca: as escolas de samba. Felipe Ferreira conta uma versão perpetrada pelo compositor e cantor fluminense Ismael Silva: a de que o termo foi inventado por ele próprio. Silva teria se reunido com alguns amigos do morro para organizar uma agremiação chamada Deixa Falar. A expressão “escola de samba” teria vindo à tona porque o compositor se lembrou de uma escola normal, situada nas proximidades. “Se os mestres se reúnem numa escola para ensinar os alunos, nossos mestres do samba também deveriam se reunir numa escola....de samba”, sentenciou. Tal encontro aconteceu no dia 12 de agosto de 1928, segundo os pesquisadores a data de fundação da primeira escola de samba.
Mas só em 7 de fevereiro de 1932 foi registrado o primeiro desfile de uma escola. No ano seguinte, 35 grupos de samba voltaram a desfilar, já marcando o início de um evento que cresceu e se industrializou. A ocasião é lembrada por dois fatos: pela performance da Unidos da Tijuca, que cantou aquele que é considerado o primeiro samba-enredo da história do Carnaval, e pela estréia do Rei Momo (provavelmente um boneco) nas ruas do Rio de Janeiro. Passados os anos, a intenção de tornar os desfiles uma indústria ficou evidente no investimento de quantias maciças de dinheiro; na competição entre as escolas para saber quem traz mais novidades tecnológicas e arrebanha o maior número de celebridades; e até no interesse de artistas plásticos de vanguarda, como Hélio Oiticica – que fez trabalhos baseados em alguns elementos da Mangueira.
A inauguração do Sambódromo carioca, em 1984, veio também marcar a faceta contemporânea da folia. É quando entram em cena os novos carnavalescos, que ganharam fama nacional. Entre eles, Rosa Magalhães – a maior campeão dos 20 primeiros anos da Passarela do Samba – e Joãosinho Trinta, que, entre outras estripulias, realizou o memorável enredo Ratos e urubus larguem a minha fantasia, colocando na avenida uma impressionante ala de “mendigos” e o polêmico “Cristo Redentor mendigo”.
Não é demais repetir a importância que o carnaval carioca trouxe para o turismo brasileiro. Seu reinado, no entanto, espalhou súditos por vários cantos do País, a partir da década de 1970, quando o evento assume-se multifacetado, espelhando a pluralidade do Brasil. Foi assim com a folia de Salvador, de Recife, de Olinda e até de São Paulo. Só pra contrariar a máxima do poeta de que a capital paulista é “o túmulo do samba”, pois as escolas da metrópole têm mostrado cada vez mais profissionalismo, organização, criatividade e luxo a milímetros de similaridade com as agremiações cariocas. Vai-Vai, Rosas de Ouro, Camisa Verde e Branco e Gaviões da Fiel são alguns bons exemplos. Na verdade, não importa o lugar em que o Carnaval aconteça. O que conta é o empenho de todos em difundir os versos sempre atuais de Assis Valente, eternizados na canção Brasil pandeiro: “Brasil, esquentai vossos pandeiros/Iluminai os terreiros que nós queremos sambar”.
FONTE:http://carnaval2009.ig.com.br/carnaval/
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