É improvável realizar mudanças na educação pública brasileira sem o apoio dos professores. No entanto, as sucessivas investidas contra a escola e contra a dignidade social e profissional dos docentes parecem ter esvaziado as possibilidades de protagonismo do professorado, especialmente na formulação de políticas para a educação. De outro lado, a educação a distância (contemplada no PDE) vem conquistando terreno e embasando iniciativas que põem o professor na condição de tutor, monitor ou palestrante. Como o Sr. vê o futuro da profissão?
DS: Inegavelmente, esse é o ponto nodal. Sem encarar frontalmente o problema do magistério nenhuma reforma educacional terá chances de êxito. Trata-se de criar a carreira do magistério da educação básica tendo como itens básicos um piso salarial substantivamente elevado em relação ao atual e jornada em tempo integral numa única escola, com 50% do tempo dedicado à docência e a outra metade distribuída pelas demais atividades. Quanto à formação, deve ser provida por meio de cursos presenciais regulares e de longa duração, ministrados por universidades que encarem a pesquisa sobre o magistério e a formação docente como prioridade. Os dois aspectos, carreira e formação, estão interligados. Com efeito, salários dignos e condições de trabalho satisfatórias definem um status social elevado para o magistério. Transformada a docência numa profissão socialmente atraente em razão dessas melhorias, para ela convergirão muitos jovens dispostos a investir seus recursos, tempo e energias numa alta qualificação obtida em graduações de longa duração e em cursos de pós-graduação. Não é isso o que ocorre hoje, de certo modo, com a medicina?
Pautemos os sindicatos docentes: que estratégias de luta e que bandeiras poderiam ser suficientemente mobilizadoras para que o sindicato possa recuperar presença e importância no interior das lutas sociais, ou, em outras palavras, sua condição de intelectual coletivo?
DS: Penso que uma estratégia de luta possível para os sindicatos deveria apoiar-se no discurso que está na boca da maioria das pessoas, com destaque para empresários e políticos, que define a educação como a prioridade das prioridades. Na conclusão de meu livro Da nova LDB ao FUNDEB assim me refiro a essa estratégia: consideremos o reconhecimento consensual de que vivemos na sociedade do conhecimento e de que nesse tipo de sociedade a educação formal é a chave sem a qual todas as portas tendem a se fechar; consideremos que sem essa chave os indivíduos ficam excluídos e as organizações e as empresas perdem em produtividade e competitividade. Assumamos, pois, esse consenso, elegendo a educação como o fator estratégico de desenvolvimento do país. Não se trata de a educação competir por recursos com outras áreas; ao contrário, ela será a via escolhida para atacar de frente, e simultaneamente, todos esses problemas. Se ampliarmos o número de escolas e as tornarmos capazes de absorver toda a população em idade escolar nos vários níveis e modalidades de ensino, se povoarmos essas escolas com todos os profissionais de que necessitam, em especial com professores em tempo integral e bem remunerados, atacaremos diretamente o desemprego, pois serão criados milhões de empregos. Atacaremos o problema da segurança, ao retirar das ruas e do assédio do tráfico de drogas muitas crianças e jovens. E, principalmente, atacaremos todos os demais problemas, já que estaremos promovendo o desenvolvimento econômico, uma vez que esses milhões de pessoas com bons salários irão consumir e, com isso, ativar o comércio, que por sua vez levará o setor produtivo a produzir e contratar mais. Isso provocará o crescimento exponencial da arrecadação de impostos com os quais o Estado poderá resolver o problema da infra-estrutura e, claro, o da qualidade da educação. Com um quadro de professores altamente qualificado formaremos os tão decantados cidadãos conscientes, críticos, criativos e tecnicamente competentes para ocupar os postos do hoje fervilhante mercado de trabalho. Estaria criado o desejado círculo virtuoso do desenvolvimento. Creio que em torno dessa bandeira os sindicatos poderiam realizar sucessivas manifestações, organizar grupos de pressão junto ao Congresso, aos governos e às empresas, inclusive as do ensino, acionar os vários veículos de comunicação e muitas outras iniciativas. Está lançada a sugestão.
No caso da formação de professores no Brasil, tudo leva a crer que essa tarefa tem de ser urgentemente requalificada, para que a escola básica possa apresentar melhores resultados – afinal, o professor ensina mal porque foi mal formado. A quem caberia essa iniciativa e como o Sr. vê as atuais perspectivas de políticas voltadas a essa questão? Mais: tendo em vista que apenas 3% dos professores que atuam na educação básica são formados nas universidades públicas, não seria o caso de chamá-las à responsabilidade?
DS: O ministro Haddad informou que está criando na CAPES uma comissão permanente para traçar as linhas da formação de professores, em nível superior, para toda a educação básica. Dependendo dos recursos investidos, da composição dessa comissão e das diretrizes formuladas, essa iniciativa pode dar resultados positivos. A proposta que eu havia feito em 1997, para o Plano Nacional de Educação, previa a duplicação imediata dos atuais 4%, aproximadamente, do PIB investidos em educação para 8%. Isso valeria para municípios, estados e União. No caso da União, sugeri que fosse utilizado o montante correspondente a 4% para manter os atuais compromissos do MEC com universidades e escolas técnicas federais, dividindo-se a parcela adicional em duas partes iguais: a primeira se destinaria à educação básica, para que a União cumprisse a função de apoio técnico e financeiro, suprindo as deficiências locais; a segunda constituiria um fundo para financiar projetos das universidades na realização das metas definidas no PNE. Penso que o primeiro e mais prioritário projeto a ser bancado com esses recursos seria o de formação do magistério. Eis o caminho para chamar à responsabilidade as universidades públicas, engajando-as fortemente no processo de formação de professores para a educação básica de todo o país.
O Sr. concorda com a avaliação de que as reformas da educação superior implantadas a partir dos anos 90 tinham o objetivo de estabelecer um setor privado de massas para atendimento de um ensino de corte mais técnico e profissionalizante e, nesse passo, preservar a atuação das universidades públicas na pesquisa e na formação das elites?
DS: Sem dúvida. Explicitei isso no livro A nova lei da educação quando me referi à política de ensino superior do governo FHC, marcada pelo binômio “universidades de ensino” versus “universidade de pesquisa”. Pretendia-se implantar essa orientação mediante emenda constitucional que removesse a exigência de indissociabilidade ensino-pesquisa-extensão. Como isso não foi possível, utilizou-se o subterfúgio da mudança de terminologia e foram criados por decreto os centros universitários. Estes se dedicariam a um bom ensino, estariam dispensados de pesquisa, mas gozariam das prerrogativas universitárias, entre elas a autonomia. E o próprio mercado já encontrou uma forma de, se não convencer, ao menos confundir a população de que se tratava, de fato, de universidades: o prefixo “Uni” compondo as siglas identificadoras dos centros universitários projeta esse entendimento.
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